Por James Petras
Um dos grandes paradoxos da história são os políticos imperialistas que apregoam estarem empenhados numa grande cruzada humanitária, um “missão civilizadora” destinada a libertar nações e povos, enquanto praticam as mais bárbaras conquistas, guerras destrutivas e banhos de sangue em grande escala de povos conquistados de que há memória histórica.
Ideologia imperial
A propaganda imperial dos EUA variou ao longo do tempo. Antigamente, no século XIX, Washington proclamou a “Doutrina Monroe”, denunciando esforços europeus para colonizar a América Latina. No século XX, quando os EUA estavam a deslocar a Europa dos recursos primários baseados nas colônias no Oriente Médio e África, aproveitou-se de vários temas. Condenou “formas de dominação colonial” e promoveu transições “neo-coloniais” que destruíram os monopólios europeus e facilitaram a penetração corporativa de multinacionais estado-unidenses. Isto ficou claramente evidente durante e após a II Guerra Mundial, nos países petrolíferos do Oriente Médio.
Durante a década de 1950, quando os EUA assumiram a superioridade imperial e surgiu o nacionalismo anti-colonial, Washington forjou alianças com potências coloniais em declínio para combater um inimigo comum. Mesmo com a recuperação econômica pós II Guerra Mundial, com o crescimento e unificação da Europa, ela ainda atuou na repressão militar de insurgências e regimes nacionalistas.
Em tempos recentes a maré ascendente do imperialismo alimentadas por procuradores israelenses nos EUA levaram a algumas sérias divergências entre o imperialismo estado-unidense e o europeu. Com a exceção da Inglaterra, a Europa assumiu um mínimo compromisso simbólico com as guerras dos EUA e a ocupação do Iraque e Afeganistão. A Alemanha e a França concentraram-se em expandir seus mercados de exportação e suas capacidades econômicas, deslocando os EUA em grandes mercados. A convergência dos EUA e de impérios europeus levou à integração de instituições financeiras e às subsequentes crises e colapso comuns mas sem qualquer política coordenada de recuperação. Ideólogos dos EUA propagaram a ideia de uma “União Europeia em declínio e decadência”, ao passo que ideólogos europeus enfatizaram os fracassos dos “mercados livres” anglo-americanos e as fraudes da Wall Street.
Potências econômicas em ascensão e desafios nacionalistas
Há uma longa história de “anti-imperialismo”, condenações, revelações e indignações morais patrocinadas exclusivamente contra rivais imperialistas, potências emergentes, as quais em alguns casos estão simplesmente a seguir as pegadas das potências imperiais estabelecidas.
Na preparação para a II Guerra Mundial, as potências imperiais europeias e dos EUA, enquanto exploravam colônias asiáticas condenavam a invasão e colonização pela potência imperial japonesa. O Japão, por sua vez, afirmava estar a liderar forças da Ásia no combate contra o imperialismo ocidental e projetava uma esfera de “co-prosperidade” pós colonial de parceiros asiáticos em pé de igualdade.
O “anti-imperialismo” ianque é destinado aos movimentos nacionalistas dos países colonizados e ao seu público interno. Imperialistas britânicos fomentaram levantamentos entre as elites agro-mineiras na América Latina prometendo “comércio livre” contra o domínio mercantilista espanhol… explorando agravos legítimos para fins imperiais. Durante a II Guerra Mundial, os imperialistas japoneses apoiaram um setor de movimento nacionalista anti-colonial na Índia contra o Império britânico. Os EUA condenaram o domínio colonial espanhol em Cuba e nas Filipinas e foram à guerra para “libertar” os povos oprimidos da tirania espanhola … e ali permaneceram para impor um reino de terror, exploração e domínio colonial muito pior…
Os porta-vozes oficiais do império publicitam atrocidades reais e falsificadas dos seus rivais imperiais e destacam ferozmente os infortúnios das vítimas colonizadas. A elite corporativa pedem ação militar para proteger a propriedade, ou tomar recursos estratégicos; as pessoas com sentimentos humanitários e progressistas denunciam os “crimes contra a humanidade” e refletem os apelos “a fazer algo concreto” para salvar as vítimas do genocídio falsificado. Setores da esquerda juntam-se ao coro, descobrindo um setor de vítimas que se ajusta à sua ideologia abstrata e pedem às potências imperiais para “armarem o povo para que se liberte” (sic). Ao conceder apoio moral à guerra imperial, com a deglutição da “guerra para salvar vítimas” os progressistas tornam-se o protótipo do “anti-imperialismo dos tolos”. Tendo assegurado vasto apoio público na base do “anti-imperialismo”, as potências imperialistas ocidentais sentem-se livres para sacrificar vidas de cidadãos e o tesouro público, para prosseguir a guerra, alimentada pelo fervor moral de uma causa justiceira.
No período contemporâneo as guerras imperiais “anti-imperialistas” e a agressão foram grandemente ajudadas pela cumplicidade de “bases” bem financiadas chamadas “organizações não governamentais” as quais atuam na mobilização de movimentos populares que podem “convidar” à agressão imperial.
Chile
No Chile, durante os anos 1972-73 sob o governo eleito democraticamente de Salvador Allende, a CIA financiou e proporcionou apoio importante – via AFL-CIO – a proprietários privados de camiões para paralisar o fluxo de bens e serviços. Também financiaram uma greve de um setor do sindicato de trabalhadores do cobre (na mina El Teniente) a fim de reduzir a produção de cobre e as exportações, na preparação para o golpe de estado. Depois de os militares tomarem o poder vários responsáveis do sindicato “da base” participaram no expurgo de ativistas de esquerda eleitos pelo sindicato. Não é preciso dizer que imediatamente os proprietários de camiões e trabalhadores do cobre acabaram a greve, abandonaram suas exigências e a seguir perderam todos os direitos de negociação!
Kosovo
Os EUA apoiaram jihadistas armados para libertar a “Bósnia” e armaram as “bases” terroristas do Exército de Libertação do Kosovo para despedaçar a Jugoslávia. Quase toda a esquerda ocidental alegrou-se quando os EUA bombardearam Belgrado matando milhares de civis, degradando a economia e afirmaram estarem a “responder a um genocídio”. A “soberana e independente” Kosovo tornou-se num enorme mercado de escravas brancas, passou a abrigar a maior base militar dos Estados Unidos na Europa, com a mais elevada migração per capita de qualquer país da Europa.
A estratégia imperial das “bases” combina retórica humanitária, anti-imperialista com ONGs pagas e treinadas, com blitzes de mass media para mobilizar a opinião pública mundial e especialmente “prestigiosos críticos morais de esquerda” por trás das suas tomadas de poder.
A consequência de movimentos imperiais promovidos por “anti-imperialistas”
O registo histórico dos movimentos “de base” imperialistas promovidos por “anti-imperialistas” e “pró democracia” é constantemente negativo. Vamos resumir brevemente os resultados.
Chile
No Chile a greve “de base” dos proprietários de camiões levou à brutal ditadura militar de Augusto Pinochet e a cerca de duas décadas de tortura, assassínio, prisão e exílio forçados de centenas de milhares, à imposição de brutais “políticas de mercado livre” e à subordinação às políticas imperiais dos EUA. Em resumo, as corporações multinacionais do cobre estado-unidenses e a oligarquia chilena foram os grandes vencedores e a massa da classe trabalhadora e os pobres os grandes perdedores.
Europa Oriental
Os EUA apoiaram “levantamentos da base” na Europa Oriental contra a dominação soviética e levou à dominação estado-unidense; à subordinação à NATO ao invés do Pacto de Varsóvia; à transferência maciça de empresas públicas nacionais, bancos e media para multinacionais ocidentais. A privatização de empresas nacionais beneficiou os EUA e levou a níveis sem precedentes de desemprego com dois algarismos, disparo de rendas entre os ricos e o crescimento da pobreza entre pensionistas.
Nos países hoje capitalistas da Europa Oriental e da ex-URSS gangs criminosas altamente organizadas desenvolveram prostituição em grande escala e redes de droga; “empresários” gangster estrangeiros e locais assumiram empresas públicas lucrativas e formaram uma nova classe de super oligarcas. Políticos de partidos eleitorais, pessoas de negócios locais e profissionais ligadas a “parceiros” ocidentais foram os vencedores sócio-economicos. Pensionistas, trabalhadores honestos, agricultores, juventude desempregada foram os grandes perdedores juntamente com os anteriormente subsidiados artistas culturais. Bases militares na Europa Oriental tornaram-se a primeira linha do império para ataque militar à Rússia e o alvo de qualquer contra-ataque.
Se medirmos as consequências da mudança no poder imperial, é claro que os países da Europa Oriental tornaram-se ainda mais subservientes sob os EUA e a UE do que sob a Rússia. Crises financeiras induzidas pelo ocidente devastaram suas economias. Acima de tudo, o grau de controle imperial sobre todos os setores economicos excedeu de longe qualquer coisa que tenha existido sob os soviéticos. O movimento “de bases” na Europa Oriental têve êxito em aprofundar e estender o Império dos EUA; os advogados da paz, justiça social, independência nacional, e bem-estar social foram os grandes perdedores.
Liberais ocidentais, progressistas e gente de esquerda que se apaixonou pelo “anti-imperialismo” promovido pelos imperialistas ianques são também grandes perdedores. Seu apoio ao ataque da NATO à Jugoslávia levou ao despedaçar de um estado multinacional e à criação de enormes bases militares da NATO e a um paraíso para traficantes internacionais de escravas no Kosovo. Seu apoio cego à promovida “libertação” imperial da Europa Oriental devastou o estado de previdência. Os principais beneficiários dos avanços imperiais do ocidente via levantamentos “de base” foram as corporações multinacionais, Pentágono e os neoliberais do livre mercado de extrema direita. Os moralistas de esquerda perderam credibilidade e apoio, seus movimentos de paz minguaram, suas “críticas morais” perderam ressonância. A esquerda e progressistas que foram a reboque dos “movimentos de base” apoiados pelo império, quer em nome do “anti-stalinismo”, “pró democracia” ou “anti-imperialismo” nunca se empenharam em qualquer reflexão crítica; nenhum esforço para analisar as consequências negativas a longo prazo das suas posições em termos de perdas de bem-estar social, independência nacional ou dignidade pessoal.
A longa história da manipulação imperialista de narrativas “anti-imperialistas” encontrou expressão virulenta nos dias de hoje. A Nova Guerra Fria lançada por Obama contra a China e a Rússia, a guerra quente no Golfo sobre a alegada ameaça militar do Irão, a ameaça intervencionista contra “redes de droga” da Venezuela e o “banho de sangue” da Síria são parte integral da utilização e abuso do “anti-imperialismo” para promover um império em declínio. Já é tempo de distinguir entre movimentos anti-imperialistas e pró democracia genuínos e aqueles promovidos por Washington, NATO, multinacionais e os mass media.
O original encontra-se em http://petras.lahaine.org/?p=1886